Bem-vindo ao Blog Falares de Portugal! 

Welcome to Falares de Portugal! 

Willkommen bei Falares de Portugal!

Inscreva-se na Newsletter
Escreva o seu nome e endereço de e-mail:
Nome:          Email:
Subscrever  Cancelar 

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Léxico: Lexemas passe-partout, repetições, diminutivos

Na língua falada, neste caso no português falado, o falante lida normalmente de forma bastante económica com o vocabulário. Tanto a selecção sintagmática (construção sintáctica usada – predomínio de frases simples) como paradigmática (ao nível por exemplo do uso de sinónimos ou antónimos) é reduzida. Daí que a frequência de repetições seja uma constante nas conversações do dia-a-dia, assim como o uso de lexemas passe-partout. Os lexemas passe-partout são formas lexicais de significado bastante vasto, o que as torna aplicáveis a qualquer contexto e coadunam perfeitamente com o princípio de economia vocabular: coiso/coisa, isto, isso, aquilo, fulano, tipo, há, existe.
O uso de fraseologismos, formas rotinadas e convencionalmente fixadas, é também muito frequente na língua falada e vai ao encontro da economia de esforço quer cognitivo quer lexical: vamos lá ver uma coisa, dão pano para mangas, dar uma volta, ver com bons olhos, trocar as voltas.
O recurso a formas de localização contextual, local e temporal (deixis como aí, ali, lá, cá, aqui) é uma marca da língua falada e ao mesmo tempo uma necessidade da mesma pelo seu carácter dinâmico, temporário e fugaz. Por outro lado, o recurso a expressões impessoais do tipo diz-se, disseram-me, pressupõe que o ouvinte partilhe um conjunto de informações contextuais que, por isso mesmo, pode ser omitido aquando da conversação, o que deixa transparecer também a intimidade característica da língua falada.
Importa ainda referir que a língua falada é espontânea e muito emocional, o que se reflecte também no vocabulário, como por exemplo no uso de partículas discursivas (é pá desse não me lembro; pois! com barba também!), interjeições (ó menina, tá mas é calada; ai meu deus; ai é?), eufemismos (já está com um ordenadozinho jeitoso), disfemismos (é como este ano o ano é desgraçado; tenho horários beras), aumentativos (é uma ilha lindíssima; ela leu muitíssimo bem; comecei há pouquíssimo tempo) e diminutivos (já tá grandinho, com três aninhos, repara; ... e há e é bracinhos e pezinhos e...; ...coisa gordinha, anafadinha e tal).
[Exemplos retirados do Corpus de Referência do Português Contemporâneo e de Gesprochenes Portugiesisch de Maria de Fátima Viegas Brauer-Figueiredo].

Texto de Vera Ferreira (Protocolo do seminário "Português Falado", do dia 09.01.06. Para mais informações consultar seminário - 09.01.06 em
portuguesfalado.com.sapo.pt)

terça-feira, janeiro 24, 2006

Português Falado: emprego dos dois futuros

A futuridade em português (conceito que abrange todos os mecanismos linguísticos de que uma língua se serve para exprimir uma situação futura, isto é, uma situação posterior ao momento de enunciação) é expressa de diversas formas. A nível dos tempos verbais é usado o futuro simples, nas formas sintética (farei) e analítica (ir + infinitivo: vou fazer), o futuro composto (terei feito) e o presente (faço) como formas de expressão de futuridade. Existem, no entanto, outros mecanismos também eles frequentes como marcas de futuridade, como por exemplo as construções perifrásticas do tipo haver de + infinitivo ou ter de/que + infinitivo e os advérbios de tempo (amanhã, depois) acompanhados por verbos no presente do indicativo.
No português falado, como comprova o estudo de Sabine Eckhoff em 1983 (Die Ausdrücksmöglichkeiten des Futurs in der brasilianischen Gegenwartssprache anhand von Film- und Bühnentexten, tese de final de curso inédita), é usado com grande frequência o presente como forma de expressão de futuro, auxiliado na maioria das vezes por elementos quer contextuais quer lexicais (Amanhã leio o livro). O presente com a “função” de futuro é também usado em situações nas quais a ocorrência dos factos futuros é certa e o falante não tem dúvidas da sua realização. Diz-se Faço anos em Agosto e não Farei anos em Agosto ou Vou fazer anos em Agosto.
No que se refere às formas sintética e analítica do futuro, Sabine Eckhoff, assim como Friedrich Irmen (1993: "A temporalidade dos tempos verbais em português: o futuro”), comprovam que no português falado as formas analíticas (... eu muitas vezes penso: isso vai custar...; ... vou dar uma volta...vou almoçar e depois torno a vir...) são muito mais frequentes que as sintéticas (... e, e ele viverá a sua vida, quer dizer isso custará muito até pela educação que as pessoas tiveram...) [exemplos retirados do Corpus de Referência do Português Contemporâneo].
É importante referir que as formas sintética e analítica não são 100% substituíveis e equiparáveis, isto porque a elas está associada uma diferença epistemológica e semântico-pragmática. Enquanto que a forma analítica exprime uma maior certeza em relação à realização dos factos enunciados, a forma sintética evidencia um grau de incerteza mais elevado, associado, consequentemente, a uma maior suposição. Esta diferença aponta para um outro aspecto relacionado directamente com as formas de expressão do futuro – a questão da modalidade, ou seja a atitude e opinião do falante perante determinado acontecimento, mais concretamente a forma como essa atitude e opinião é gramaticalizada. Em relação ao futuro, Mira Mateus et al. (2003: Gramática da Língua Portuguesa) afirma:
“O Futuro Simples raramente expressa tempo posterior ao tempo da enunciação. De facto, é tendencialmente, mais próximo de um modo do que de um tempo. Em português europeu a posterioridade é fundamentalmente dada pelo Presente do Indicativo com o contributo de adverbiais de tempo de projecção futura ou então pela construção ir + infinitivo.” (p. 158)
As construções perifrásticas do tipo haver de + infinitivo (raramente usada no português do Brasil) e ter de/que + infinitivo tão frequentes no português falado, além de localizarem temporalmente um acontecimento no futuro, estão intimamente associadas a um carácter modal, por exemplo de obrigação. Enquanto que ter de/que + infinitivo evidencia uma obrigação imposta pelo exterior (... tenho que me enervar...; tens de contar), em haver de + infinitivo a obrigação é imposta interiormente, pelo próprio indivíduo (... eles não sabem o que nos hão-de chamar...) [exemplos retirados do Corpus de Referência do Português Contemporâneo].

Texto de Vera Ferreira (Protocolo do seminário "Português Falado", do dia 09.01.06. Para mais informações consultar seminário - 09.01.06 em
portuguesfalado.com.sapo.pt)

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Sistema temporal: Emprego dos tempos verbais no português falado

Tempo é uma categoria gramatical, mais concretamente uma categoria verbal nas línguas românicas, que caracteriza e localiza, numa linha temporal, a relação entre o momento de fala e os acontecimentos nele relatados. De acordo com Celso Cunha e Lindley Cintra tempo “é a variação que indica o momento em que se dá o facto expresso pelo verbo” (1999: 379). Essa organização temporal dos acontecimentos, tendo como ponto de referência o momento da enunciação, ocorre em três domínios distintos:

  • Passado
  • Presente
  • Futuro

É neste sentido que se pode falar de uma relação de anterioridade, simultaneidade ou posterioridade relativamente ao momento de fala ou ao momento dos acontecimentos enunciados. As línguas que marcam distintamente estes três domínios conceptuais no seu sistema verbal, como é o caso do português, diz-se possuírem um sistema verbal tripartido.
Antes de passar concretamente ao sistema verbal do português falado, é necessário realçar dois aspectos teóricos importantes: o conceito de temporalidade e a abordagem coseriana do sistema verbal românico.
Enquanto que tempo é uma categoria verbal, com características morfológicas específicas, temporalidade diz respeito a todos os mecanismos de que uma língua se serve, para além dos verbais, para estabelecer a organização e localização temporal dos acontecimentos, como por exemplo advérbios (hoje, amanhã, ontem), substantivos integrados em grupos preposicionais que funcionem como advérbios (hora, dia, semana, mês, século), adjectivos (antigo, novo, actual, moderno), etc..
Na obra Das romanische Verbalsystem (1976) Eugenio Coseriu aborda directamente a questão da organização dos factos enunciados no eixo temporal, distinguindo dois níveis:

  1. o nível actual (“die aktuelle Zeitebene”) que corresponde à linha temporal real, ou seja, o falante relata os acontecimentos tendo em conta o ponto temporal actual em que se encontra. Desta forma um acontecimento pode ser presente (está a acontecer no momento da enunciação), passado (ocorreu antes do momento da enunciação) ou futuro (irá ocorrer depois do momento de enunciação). Os tempos verbais característicos do nível actual são o presente do indicativo, o pretérito perfeito simples e o futuro sintético. Este é, de acordo com Coseriu, o nível da perspectiva primária – a posição do falante em relação à acção verbal.
  2. o nível não-actual (“die inaktuelle Zeitebene”) diz respeito a todos os factos e acções que estão fora da linha temporal actual dos acontecimentos, ou seja, as acções que funcionam como background do acontecimento central e que, por isso, estão fora da actualidade do falante. Os tempos verbais característicos do nível não-actual são o pretérito imperfeito (apresenta um acontecimento como anterior em relação ao acontecimento do momento de enunciação – anterioridade) e o condicional (apresenta um acontecimento como posterior em relação ao acontecimento do momento de enunciação – posterioridade). Este é o nível da perspectiva secundária que permite a criação de espaços temporais posteriores ou anteriores dentro do nível actual; trata-se, no fundo, do desdobramento da perspectiva primária.

O português apresenta um sistema verbal bastante complexo, constituído por três modos (indicativo, conjuntivo e imperativo) subdivididos em vários tempos, simples e compostos, cada um deles com significados centrais (prototípicos) e significados periféricos.:

  1. modo indicativo: presente (lavo), pretérito imperfeito (lavava), pretérito perfeito simples (lavei), pretérito perfeito composto (tenho lavado), pretérito mais-que-perfeito simples (lavara), pretérito mais-que-perfeito composto (tinha lavado), futuro simples (lavarei), futuro composto (terei lavado), condicional simples (lavaria), condicional composto (teria lavado)
  2. modo conjuntivo: presente (lave), pretérito imperfeito (lavasse), pretérito perfeito composto (tenha lavado), pretérito mais-que-perfeito composto (tivesse lavado), futuro simples (lavar), futuro composto (tiver lavado)
  3. modo imperativo: presente (lava)

Para Coseriu, o português é a língua românica que, na sua concretização, melhor exemplifica o modelo por ele apresentado para o sistema verbal românico. Contudo, segundo o estudo elaborado por Tlaskal (1984: “Observações sobre tempos e modos em português”), comprovado também no trabalho de Sabine Eckhoff em 1983 (Die Ausdrücksmöglichkeiten des Futurs in der brasilianischen Gegenwartssprache anhand von Film- und Bühnentexten, tese de final de curso inédita), os significados centrais e periféricos dos tempos verbais do português sofreram (e estão a sofrer) alterações no português falado. Desta forma, assiste-se a uma simplificação do sistema temporal (no indicativo), sendo o mesmo reduzido a apenas três tempos verbais, afastando-se na prática do modelo defendido por Coseriu:

  • presente (falo), usado para expressar não só o presente mas também o futuro (como substituição do futuro sintético) e até mesmo o passado;
  • pretérito imperfeito (falava) que, além de ser usado como imperfeito, substitui também o condicional;
  • pretérito perfeito (falei), usado não só como perfeito mas também como substituição do pretérito mais-que-perfeito.

[Tlaskal, Jaromír Jr. (1984). “Observações sobre tempos e modos em português”, p. 254]

Esta redução, impulsionada pela já elevada frequência dos tempos em causa no português, vai ao encontro dos princípios de simplificação e economia de esforço linguístico e implica um alargamento das funcionalidades dos três tempos verbais, que se tornam mais abrangentes nos contextos de emprego e, consequentemente, menos específicos.

Texto de Vera Ferreira (Protocolo do seminário "Português Falado", do dia 19.12.05. Para mais informações consultar seminário - 19.12.05 em portuguesfalado.com.sapo.pt)

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Parataxe e Hipotaxe

Parataxe e hipotaxe são duas formas de organização sintáctica. Enquanto que a parataxe indica a ligação de frases com mesmo valor sintáctico por meio de coordenação (para isso são usadas as conjunções coordenativas), a hipotaxe indica a ligação de frases por meio de subordinação. A dependência de uma oração em relação à outra é marcada por conjunções ou pronomes relativos.

Dentro do grupo das conjunções coordenativas temos por exemplo as conjunções copulativas (e, não só...mas também, nem, nem...nem, quer...quer), conjunções adversativas (mas, mas sim, porém, todavia, contudo, no entanto, entretanto) e conjunções disjuntivas (ou, ou então, ou não, ou...ou, ora...ora, já...já).

No grupo da conjunções subordinativas existem conjunções temporais (quando, depois que, antes que), condicionais (se), causais (porque), consecutivas (de maneira que), finais (para que), concessivas (apesar de que) e modais (como).

No que se refere ao português falado, a parataxe e a hipotaxe têm sido colocadas um pouco à margem da investigação. Existem, no entanto, dois estudos que examinam o uso de construções paratácticas e hipotácticas neste domínio do português. Um desses estudos foi elaborado pela Universidade Estadual de Maringá (Paraná, Brasil), para o qual se construiu um corpus [Sobre a construção deste corpus veja-se:
http://www.unicentro.br/editora/revistas/guairaca/17/artigo%201%20diferenças%20linguisticas.pdf]. Da análise do corpus em causa concluiu-se que as formas mais simples de junção de orações têm maior frequência na modalidade oral do que na escrita, ao passo que com as formas mais complexas de junção de orações se verifica o contrário. Ou seja, a hipotaxe tem maior frequência na modalidade escrita do que na oral. O outro estudo, realizado por Isabel Trancoso em Lisboa, teve um resultado semelhante: “Como esperado, ocorrem nos diálogos já gravados fenómenos e construções tidos como recorrentes no diálogo espontâneo: [...] o recuo de construções hipotácticas em favor de parataxe.” [in: www.l2f.inesc-id.pt/documents/papers/Trancoso98b.pdf]

Na gramática portuguesa, de acordo com Gärtner (1994), as orações subordinadas são classificadas tendo em conta a não só a classe de palavras que substituem mas também a função sintáctica que exercem na frase. Desta forma, existem orações substantivas, adjectivas e adverbiais.
As orações substantivas subdividem-se em:

  • subordinadas substantivas subjectivas (Que chegasses pontualmente foi uma surpresa.);
  • subordinadas substantivas predicativas (A surpresa foi que chegasses pontualmente.);
  • subordinadas substantivas objectivas indirectas (Admiraram-se de que chegasses pontualmente.).

As orações adjectivas, apresentadas noutros estudos como orações relativas, subdividem-se em:

  • orações adjectivas restritivas (És um dos raros homens que têm o mundo nas mãos);
  • orações adjectivas explicativas (Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?).

Na perspectiva de Mira Mateus et al. (1989), as orações relativas, pertencendo ao grupo de orações de tipo subordinado, usam conjunções restritivas (Vi o homem que roubou a tua carteira.), apositivas (O António, que encontrei ontem, regressou do estrangeiro.) ou podem ser construídas sem antecedente (Quem vai ao mar perde o lugar.).

Como exposto em cima, as orações condicionais são também elas construções de tipo hipotáctico. Mira Mateus et al.(1990), fez uma abordagem deste tipo de orações subdividindo-as em:

  • orações factuais (Se a água atinge a temperatura de 100°, entra em ebulição.);
  • orações hipotéticas (Se faltasse outra vez a água, queixava-me.);
  • contrafactuais (Se tivesse chovido em Portugal em 1981, não tinha havido seca.).

Alguns exemplos do Corpus de Referência do Português Contemporâneo (CRPC) indicam que na língua falada e numa esfera linguística de proximidade se usam construções condicionais que não são, na perspectiva da gramática prescritiva, gramaticalmente correctas (Se eu não os obrigo a sair certamente morriam lá em vez de Se eu não os tivesse obrigado a sair certamente teriam morrido lá); têm, no entanto, presença na língua falada e devem por isso ser valorizadas e analisadas como fenómenos linguísticos e não apenas “marginalizadas” como erros.

Segundo um outro exemplo do CRPC usam-se na língua falada muitas construções paratácticas e, em geral, as construções hipotácticas que se encontram são simples, muitas vezes construídas com a conjunção porque.

Texto de Andreas Riess (Protocolo do seminário "Português Falado", do dia 28.11.05. Para mais informações consultar seminário - 28.11.05 em
portuguesfalado.com.sapo.pt)